sexta-feira, 13 de abril de 2012

M. Heidegger, O Conceito da Experiência em Hegel, 1942.

"O que nos está restringido a uma vida natural é incapaz de ir por si mesmo para além da sua existência imediata; mas é compelido por um outro a ir para além dele, e este ser-arrancado-para-fora é a sua morte porém, a consciência é para si mesma o seu 'conceito' e, assim, é imediatamente o ir-para-além do limitado e, uma vez que este limitado lhe é próprio, é o ir para além de si mesma; com o singular, é-lhe posto simultaneamente o além como se estivesse simplesmente 'ao lado' do limitado, tal como no intuir espacial. A consciência sofre, portanto, por ela mesma, esta violência de dar cabo da satisfação limitada."

M. Heidegger, A Palavra de Nietzsche "Deus morreu", 1943.

"Talvez um dia, |...| pensemos a era do começo da consumação do niilismo ainda de um outro modo do que até agora. Talvez reconheçamos então que nem as perspectivas políticas, nem as económicas, nem as sociológicas, nem as técnicas e científicas, que nem sequer as perspectivas metafísicas e religiosas bastam para pensar aquilo que acontece nesta era mundial. Aquilo que ela dá a pensar ao pensar não é um qualquer sentido metafísico escondido nas profundezas, mas algo que está próximo: o que está mais próximo, aquilo que, porque é só isso, por isso já constantemente omitimos. Através deste omitir, realizamos constantemente, sem repararmos nisso, aquele matar no ser do ente. |...| Talvez já não nos escape agora de um modo tão precipitado aquilo que é dito no começo do texto comentado, que o homem louco "gritava incessantemente: - Procuro Deus! Procuro Deus!". 
    Em que medida é este homem louco? Ele está delirante."

M. Heidegger, A Palavra de Nietzsche "Deus morreu", 1943.

"O pensar só comecará quando tivermos experimentado que a razão, venerada desde há séculos, é a mais obstinada opositora do pensar."

domingo, 1 de abril de 2012

F. Nietzsche, Assim falou Zaratustra, 1885.

"Um dia, Zaratrustra, ao voltar do seu lugarejo na montanha onde permaneceu longos anos, encontrou um velho eremita na floresta que se lhe dirigiu nestes termos:
- Que vens tu procurar entre os adormecidos? Infeliz de ti, queres então regressar à terra? Queres então arrastar de novo o peso do teu corpo?
Zaratustra respondeu:
- Amo os homens.
O velho retorquiu:
- O homem é uma criatura demasiado imperfeita para meu gosto. Se lhes queres dar alguma coisa dá-lhes esmolas.
Zaratustra insistiu:
- Eu não dou esmolas, não sou suficientemente pobre para isso."

terça-feira, 27 de março de 2012

F. Nietzsche, A Origem da Tragédia, 1872.

com base neste conhecimento que temos de entender a tragédia grega como sendo o coro dionisíaco que se extravasa, de forma contínua e sempre renovada, num mundo apolíneo de imagens. Aquelas partes corais, com as quais a tragédia se encontra entretecida, são portanto de certa maneira o regaço materno de todo o chamado diálogo, isto é, de todo o mundo cénico, do drama propriamente dito. Em vários e sucessivos extravasamentos, este solo primordial da tragédia irradia aquela visão do drama: visão essa que é em absoluto um fenómeno onírico, logo de natureza épica, representando porém, por outro lado, enquanto objectivação de um estado dionisíaco, não a redenção olímpica na aprência mas, inversamente, a fragmentação do indivíduo e a unificação deste com o Ser primordial. Assim, o drama constitui a simbolização apolínea de formas dionisíacas de conhecimento e repercussão (...)"

Aristóteles, Poética, Século IV a.c..

"O mito é o princípio e como que a alma da tragédia; só depois vêm os carácteres. Algo semelhante se verifica na pintura: se alguém aplicasse confusamente as mais belas cores, a sua obra não nos comprazeria tanto, como se apenas houvesse esboçado uma figura em branco. A tragédia é, por conseguinte, imitação de uma acção e, através dela, principalmente, imitação dos agentes."

domingo, 13 de novembro de 2011

II Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e Representação, 1819.

"Bastante feliz aquele que guarda ainda um desejo e uma aspiração: ele poderá continuar essa passagem eterna do desejo à sua realização, e dessa realização a um novo desejo; quando essa passagem é rápida, é a felicidade; e é a dor quando é lenta..."

I Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e Representação, 1819.

"Cada um julga-se a priori absolutamente livre, e isso em cada um dos seus actos, isto é, crê que pode a todo o momento mudar o curso da sua vida, por outras palavras, tornar-se um outro. É apenas a posteriori, após experiência, que ele constata, para grande espanto seu, que não é livre, mas está submetido à necessidade; que apesar dos sues projectos e das suas reflexões, ele não modifica em nada o conjunto dos seus actos, e que, duma ponta à outra da sua vida, ele deve revelar um carácter que não aprovou e continuar um papel já começado."

sábado, 12 de novembro de 2011

Antonin Artaud, O Teatro e o seu Duplo, 1938.

"Antes de mais nada, necessitamos de viver, necessitamos de acreditar no que nos faz viver e em algo que nos faz 'viver', acreditar que não estamos condenados a que este indefinido produto do misterioso íntimo de todos nós para sempre nos obceque com uma ansiedade exclusivamente gástrica. O que pretendo frisar é que, se o que mais nos importa é comer, de maior importância será ainda não consumir unicamente em tal, todo o nosso mero potencial de fome."

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Ulisses, James Joyce, 1922.

"Cerca daquele presente tempo o jovem Stephen encheu todas as taças que estavam vazias de modo tal que pouco teria ficado se os mais prudentes não se tivessem afastado da aproximação dele que tanto diligenciava e que, orando em intenção do sumo pontífice, os exortou a brindar ao vigário de Cristo que, conforme disse, tamém é o vigário de Bray. Ora agora bebamos, disse ele, desta taça e tragai este hidromel que do meu corpo não é certamente parte mas sim encarnação da minha alma. Deixai o pedaço de pão para aqueles que só de pão vivem. Nem tenhais medo de qualquer desejo pois isto mais os consolará que outra coisa vos consternará. (...) As suas palavras foram então como seguem: Sabei, todos os homens, disse ele, que as ruínas do tempo constroem as mansões da eternidade. O que significa isto? O vento do desejo sopra sobre o espinheiro mas depois vem da sarça uma rosa sobre a cruz do tempo. Prestai-me atenção agora. No ventre da mulher a palavra faz-se carne, mas no espírito do que gera, toda a carne que passa se transforma na palavra que não passará."

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Jonathan Swift, As Viagens de Gulliver, 1745.

"Mas, diz-me agora, de boa fé: a vossa 'razão' é a verdadeira razão? Não será antes um talento com que a natureza vos dotou para aperfeiçoardes todos os vossos vícios?" - pergunta o Cavalo a Gulliver.

Louis Aragon, Aureliano, 1944.

"Se se olhou um homem até não se ver nele senão o que o torna diferente dos outros, o particular, é perturbante verificar com tanta maior força quanta geralmente o esquecíamos, que o essencial nele é o que o assemelha aos outros."

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Franz Kafka, Investigações de um Cão, 1922.

"(...) E a verdade é que as coisas mais absurdas passaram a parecer-me, neste mundo absurdo, mais verosímeis do que as coisas lógicas, e além disso particularmente férteis para uma investigação autêntica."

domingo, 30 de outubro de 2011

Arnold Schoenberg, Harmonia, 1949.

"(...)O aluno aprenderá a conhecer a única coisa que é eterna: a mudança; e o que é transitório: a existência. Dar-se-á conta, assim, de que muito do que se tem tido por estética - ou seja, por fundamento necessário do belo -, não está sempre alicerçado na essência das coisas."

domingo, 23 de outubro de 2011

Michel Foucault, As Palavras e as Coisas, 1966.

"Conhecer um animal ou uma planta, ou uma coisa qualquer da terra, é recolher toda a espessa camada dos signos que foram colocados nelas ou sobre elas; é reencontrar também todas as constelações de formas em que elas ganham um valor heráldico. (...) Saber, consiste pois, em referir a linguagem à linguagem. Em restituir a grande planície das palavras e das coisas. Em fazer falar tudo. Isto é, em fazer nascer, por sobre as marcas, o discurso ulterior do comentário. O que é próprio do saber não é nem ver nem demonstrar mas interpretar. Comentário da Sagrada Escritura, comentário dos Antigos, comentário dos relatos das viagens, comentário das lendas e das fábulas: não se pede a cada um destes discursos que faça valer o seu direito de enunciar uma verdade; não se requer dele senão a possibilidade de falar sobre si. A linguagem tem em si mesma o seu princípio interior de proliferação."
(tradução de António Ramos Rosa)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Thomas Mann, Doutor Fausto, 1947. Parte II

"Todos desataram a rir, incluíndo Adrian que, no entanto, conservava no teclado as mãos cerradas, inclinando a cabeça por cima delas. - Oh P.!, tu és muito burro! - disse B. - Ele improvisava. Será que não consegues compreender isso? São coisas que ele inventou de um instante para o outro. - Como é possível inventar de uma só vez tantos tons, à direita e à esquerda? - defendeu-se P. - E como pode ele afirmar que não é nada, embora toque aquilo? Não se pode tocar o que não existe. - Pode-se, sim - replicou B. conciliadoramente. - É possível tocar o que ainda não existe."

Thomas Mann, Doutor Fausto, 1947. Parte I

    "O que é isso? - Nada - respondia o executante, sacudindo brevemente a cabeça com um movimento semelhante ao que se faz para espantar uma mosca. - Como é que pode ser nada, se você o toca? - voltou o outro a perguntar- - Ele está a improvisar - explicava inteligentemente o enorme B. - A improvisar? - exclamou P., sinceramente assustado, enquanto os seus olhos azul-marinho olhavam de esguelha para a testa de Adrian, como se esperasse descobrir ali sinais de febre alta."(...)