domingo, 8 de maio de 2011

"Palavra do Vento, Palavra do Corpo, Palavra do Sangue"


                        Se queres atear o fogo :
                    então terás de te despir a rigor :
preparar uma ceia :
acender uma vela em solenidade :
 e depois fazer esse silêncio renascer
nas cinzas do que comeste :
lê e escreve antes :
prepara-te
reúne-te
convoca-te :
um calor terá de irradiar a câmara do segredo :
ata o volante ao pulso e brinda :
o colo mais nojento deverá estar calmo :
o mar deverá então ser esse calor.

Inunda o astro vigente com a tua prova vulcânica :
espera atentamente que te venham buscar.

Saberás então o fogo antecipado em ti? :
o torvelinho de um nódulo a rebentar de flama cinzenta? :
Não esperar nada -  lembra-te :
mergulhar na primeira espera na primeira vaga
de um tempo outro :
o tempo arderá contigo.
Antes do antes a tua sala é uma nave de escombros? :
de pedras vazias? :
de ninhos achados no escuro? :
levanta os queixos à lâmpada inevitável :
fecunda a cegueira :
para que ela possa acreditar em ti :
olhando os motores do transporte vegetal e térreo :
alarga as omoplatas à ferocidade :
mas concentra-te apenas na espera presa
por um fio esfuziante.

Surge já o talhe à tua frente :
uma criatura consanguínea, breve e
maculada.

No êxodo cumpre teus louvores :
ao caminhar rápido que te leva :
que não te traz :
afaga o animal que então virá contigo :
com quem farás o comércio :
do tempo que ardeste sempre :
dentro de ti.

Numa clareira farás tua fogueira :
e as tuas mãos nascerão aos nichos :
farás coisas muitas :
que o teu tempo não verá :
ardendo lentamente a corda que ainda hoje trazes :
compassada :
por estas paragens subterrâneas.
O tempo arderá sempre por dentro :
assim trarás sempre contigo :
o desenho onde te encontrar.

(Prefácio de "Palavra do Vento, Palavra do Corpo, Palavra do Sangue" - Meu ciclo de poesia mais recente...)

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